Como entender a criatividade e fugir dos seus clichês.
Eu garanto: em algum momento você vai se deparar com algum conteúdo em rede social falando sobre criatividade e ilustrada por uma imagem parecida com esta aqui:
Um lado do cérebro, racional. Outro lado, criativo.
Mas até aqui não se encontrou qualquer estudo científico que comprove a tese de que a criatividade humana é exercida por um hemisfério específico do cérebro.
O encéfalo humano é sim composto por dois hemisférios, mas eles não têm funções isoladas entre si. Muito pelo contrário.
Anatomicamente, os hemisférios cerebrais são unidos por uma estrutura chamada corpo caloso que garante a ligação efetiva entre as duas partes do cérebro através de mais de 200 milhões de fibras nervosas que funcionam como uma ponte para o tráfego de informação entre lado direito e esquerdo do cérebro.
A estrutura cerebral é uma só. Logo, tem suas funcionalidades totalmente integradas.
Então, a criatividade…
…é um exercício de conexões neurais que envolve todo o cérebro. Mas segundo estudos de mapa de calor cerebral (que revelam quais partes do cérebro são mais ativadas em determinadas atividades humanas), o córtex e o hipocampo são duas das regiões cerebrais que mais possuem neurônios estimulados em momentos de criatividade – e, apesar de serem estruturas do cérebro com mais ação neste momento, ambas estão presentes nos dois hemisférios cerebrais.
Então, a análise das funções cerebrais acontece a partir do entendimento de suas estruturas, e não dos seus lados de maneira isolada.
O processo criativo no cérebro.
O córtex é a parte do cérebro que nos diferencia dos outros animais. Foi a última região cerebral a ser desenvolvida no processo evolutivo das espécies e chegou até nós para nos brindar com as maravilhas da cognição (sistemas cerebrais mais primitivos, como sistema límbico e tronco encefálico são responsáveis por atividades igualmente mais primitivas, como emoções e funções vitais, respectivamente).
O córtex é divido em lobos cerebrais, cada qual com algumas funções específicas. O lobo frontal (ou córtex frontal), por exemplo, é o responsável por todos os processos que envolvem planejamento, percepção de futuro, raciocínio lógico e, voilá, também criatividade.
Inclusive, interessante pensar que tanto o raciocínio lógico quanto a criatividade geram conexões neurais no mesmo lugar do cérebro, desbancando a ideia de que ambas as funções deveriam acontecer em hemisférios totalmente separados. Elas são atividades complementares e não isoladas.
Outra região cerebral que é bastante estimulada em processos criativos é o hipocampo. Essa estrutura faz parte do sistema límbico, sistema responsável pelo processamento das nossas emoções. É através do hipocampo que acessamos nossa memória de trabalho – ou seja, aquelas que precisaremos acionar a curto prazo para realizar alguma tarefa – como a tarefa de criar, por exemplo.
Entender o hipocampo como uma parte do cérebro que tem atuação efetiva na criatividade nos permite compreender como o processo criativo é fundamentado em um claro trabalho de associações de referências e repertórios – acessados através da memória.
Com vocês: a ciência!
A Nature divulgou, em 2017, o artigo “Different brain structures associated with artistic and scientific creativity: a voxel-based morphometry study”, que demonstra os resultados de uma pesquisa realizada com artistas e cientistas. O objetivo era compreender se diferentes áreas do cérebro são acionadas para diferentes fins criativos: artísticos e científicos, no caso.
O estudo demonstrou que sim, há diferenças. Enquanto áreas do córtex motor são mais acionadas para as criações artísticas, áreas do córtex occipital são mais utilizadas para elaboração de estudos científicos.
O estudo completo você pode ler clicando aqui.
Podemos perceber, então, que diferentes áreas do cérebro são, sim, acionadas a depender do esforço que é preciso atribuir para um tipo de criatividade específica (no caso do estudo, atividades artísticas e científicas). Mas, independente do “tipo” de criatividade, ela sempre tem associações neurais acontecendo através do córtex cerebral de maneira integrada, e nunca a partir da atividade isolada de algum dos hemisférios encefálicos – como o clichê insiste em nos dizer.
Sair ou não sair da caixa para ser criativo?
Outro clichê sobre criatividade é aquele que chefes adoram dizer quando precisam pressionar alguém para encontrar, rapidamente, uma solução criativa para um problema:
– Você precisa sair da caixa!
A gente aprendeu a interpretar essa expressão como um convite a encontrar um insight criativo a partir de algo que esteja fora do seu espectro atual de referências.
E, de fato, criatividade é sobre referências.
Mas não sobre a referência em si, pura e simples, e sim sobre o que o seu cérebro faz com a referência.
Criatividade é um processo de associação de informações que, ao se combinarem, constroem um novo “caminho neural” no cérebro: em outras palavras, um insight.
Então, é evidente que quanto mais informação externa e referências o nosso cérebro absorve, mais associações neurais ele é capaz de realizar.
Logo, “sair da caixa” parece ser um equívoco interpretativo. O que precisamos fazer é, na verdade, abrir a nossa “caixa” e permitir que novas referências entrem e se associem a outras referências já existente no seu campo neural. A ideia é ampliar a própria caixa, não sair dela.
A gente acha que insight criativo se procura. Quando na verdade, é ele que nos encontra.